Múltiplas significâncias.

8.4.13
           Estava de olhos fechados quando sentiu um sopro quente no pescoço. Um minuto mais tarde, o corpo ao seu lado já se encontrava mais perto, tão próximo que não havia espaço para o próprio ar entre uma pele e outra. Se aconchegou nos braços agora já tão conhecidos e pousou a cabeça preguiçosamente no peito dele, como havia se acostumado a fazer. Um beijo pousou na sua testa e não era preciso abrir os olhos para perceber o sorriso preguiçoso que se formava em seus próprios lábios. Lá longe uma música lenta se difundia na atmosfera - multicolorida - deles, mas o pensamento ia e vinha muito distante da letra, tinha aterrizado no corpo ao seu lado. Corpo que se confundia com o seu. Confundia, difundia, fundia. Mas o corpo era uma metonímia. Representava muito mais do que podia descrever em verbos, adjetivos, substantivos. 
            Talvez conseguisse juntar meia dúzia de metáforas para começar a tentar descrever qualquer coisa. Bom, ela sempre gostou de metáforas. Ainda sim, era pouco. Descrever tal nível de ludicidade era tão trabalhoso quanto agarrar bolhas de sabão sem estourá-las, fazendo com que algo tão singelo perdesse seu significado. Mas não eram significados que ela procurava. 
            Tão pouco restringir o infinito que eles aprenderam tão bem a cultivar. Não cometeria tal equívoco. Pois o momento em que seus lábios se encontravam, fazendo seus olhos fecharem e seu corpo se inundar no mar revolto de sensações destoantes e pungentes não era passível de cerceamentos. E quando ele olhava em seus olhos, calado, dizendo muito mais do que poderia com palavras, esses segundos não poderiam ser descritos de forma justa. Também quando ele apoiava, sorrindo, o queixo no topo da sua cabeça e dizia que eles tinham sido moldados para ficarem juntos, não havia formas de restringir com letras algo que só um sorriso poderia responder. Essa capacidade de transformar o simples em algo precioso era comum para eles.
             As memórias flutuavam em sua mente, despretensiosas, enquanto ele cantarolava uma das músicas que tocava e brincava com o seu cabelo. O tempo passava diferente pra eles. Relógios derretiam enquanto a tarde caía lá fora, no mundo real. Mundo que eles fugiam, enquanto confabulavam sobre as tardes que estavam por vir, os dias frios, músicas, panquecas de banana. Era fácil fechar os olhos quando o mundo criado a dois era mais real que o mundo lá fora. O real deles era particular, com múltiplas significâncias e cores e cheiros e texturas. 
        O infinito inundava, palavras se fragmentavam, memórias se confundiam e os dois corpos se acostumavam com a sinestesia de um tempo adimensional criado como refúgio. As horas corriam do lado de fora da porta, e enquanto o céu escurecia e a chuva caía, os braços dela envolviam os dele sem preocupações.