contratempo contra o tempo

4.1.14

               A tarde caía. Aquele céu, uma mistura hesitante do mesmo tom rosado, morria lentamente para permitir o nascimento da noite amena de um azul quase negro. As luzes da cidade se acendiam uma por uma e todas de uma vez, em uma dança aleatoriamente ordenada. Mas o que mais o fascinava era o dançar das luzes peroladas que fazia a lua ao bater no vidro da sua janela.
        Crescera observando os primas multicoloridos que se formavam na sua janela; crescera deixando horas se esgotarem em si mesmas antes de dormir, olhando as luzes e sonhando com a imensidão infinita do universo. Pensava se um dia deixaria sua janela para trás e se aventuraria vasculhando esse mundo. Pensava se deixaria sua mãe e o perfume de torta de maçã para trás; se deixaria seu pai e as suas histórias inacreditáveis; seu cachorro, sua vizinhança; aquela menina da escola que lhe dera um cartão no dia dos namorados. Seus sonhos flutuavam longe e seus pés enraizavam no chão. Suas pernas eram pequenas demais para os passos largos que almejava dar; se sentia uma mísera folha voando sem caminho em uma floresta de árvores grandiosas e rios caudalosos.

A imensidão o fascinava ao mesmo tempo que amedrontava cada uma de suas células.

     Os anos passaram mais rápido do que poderia esperar. Numa manhã de outono sentiu-se repentinamente tomado pelo receio de ter seu fascínio sido substituído pelos seus temores. Parecia sentado naquela cadeira há décadas. Sentia sua barba começando a crescer e sua pele enrugar. Sua visão falhava, e sua memória lhe pregava peças. Olhou em sua volta e não viu sua mãe ou seu pai na sala de jantar, nem seus amigos correndo pela rua. Aquela menina da escola tinha agora um marido e dois filhos na escola, a mesma escola que estudara anos atrás. A quantos anos? não se lembrava, não sabia. Sentia que vinte anos lhe haviam sido roubados e que a três minutos atrás estava deitado em sua cama olhando para a janela, perdido em confabulações sobre a incerteza e a vastidão do mundo.
          Correra para o quarto e no outro instante já era noite. O prisma multicolorido que sua janela formava na parede ao lado de sua cama não aparecia mais: o vidro da janela estava quebrado a anos. A poeira do quarto o fez espirrar, enquanto ele reparava que seus velhos brinquedos não mais estavam na sua estante colorida. O papel de parede desbotado indicava que a casa fora abandonada a mais anos do que poderia supor. Sentiu-se roubado. Sua própria vida lhe fora tomada a força, e ele não tivera tempo de se defender, de tomá-la de volta com sangue nas unhas se preciso.
        Os próximos segundos ficariam suspensos na eternidade de suas lembranças, pois perceberia que ninguém além dele mesmo o havia roubado. O tempo, o seu tempo, a vida que lhe pertencia havia escorrido pelas suas mãos, como a água de um rio. Escorrera por completo em toda uma única gota. Bastou o tempo de um suspiro para que todo o colorido se transformasse em cinzento e sua pele macia enrugasse em um caminho sem volta.
         Era mentira. O tempo nunca lhe pertencera. Era justamente o contrário. A janela, irreversivelmente quebrada, lhe fora tomada, assim como a sua juventude, pelo ingrato e incessante tique-taque do relógio. 

Doze girassóis numa jarra

31.7.13

tem o som da cor dos teus lábios. 

     Irônica é a forma com que um punhado de palavras aparentemente inócuas consegue ecoar de forma tão pungente e por um período tão longo de tempo, ao comparar com a fraca memória que ela costumava ter. Depois de relembrá-las, escrevê-las, ressignificá-las e as tantas outras coisas que tentara fazer com aquela frase incompleta à exaustão, pensava que elas haviam se misturado com a essência de seu próprio ser, e que mesmo sem querer, tinham se enraizado no canto mais profundo de sí, aflorando lírios desconhecidos e girassóis inexplicáveis.
       Depois delas, ela passara a andar sinestésica por aí, se distraindo com o barulho das cores, o cheiro dos sons. Um universo desconexo de rumos flutuantes. Tinha adquirido asco pelo estático. Derretia as horas, brincava com a sensação do toque do vento passando pela sua pele e quando se cansava da incoerência proposital do espaço a sua volta, escolhia o telhado mais alto e dormia coberta pelo lençol estrelado que costurava seus sonhos insólitos. Sentia-se em um quadro de Van Gogh, com suas pinceladas quase beirando ao absurdo. 
     Não tinha casa. Era só mais um corpo, vida efêmera, acontecimento aleatório, prestes á terminar e passar pela história sem deixar vestígios. Seu único rastro, a marca de sua passagem pelo mundo, era a marca de suas  pegadas na areia fina e branca da praia que correra dias atrás, enquanto observava o forte vento do entardecer dissolvê-las no tempo, durando um instante apenas, o suficiente para sua satisfação. Tinha toda a humanidade dentro de sí, sua vida passava pelo tempo de muitas vidas, era todos, era nenhum. Era vida e morte, seco e molhado, multicolorido e monocromático. Em seus ouvidos, todos os segredos do mundo eram soprados e por seus olhos todos os sorrisos que jamais tinham sido dados, passavam. A carne, orgânica, contrastava com a onda infinita que seus cabelos faziam ao tocarem a água. E dentro de sí, todos as suas células cantarolavam um sussurro unísono

O universo tem o som da cor dos teus lábios. 

Múltiplas significâncias.

8.4.13
           Estava de olhos fechados quando sentiu um sopro quente no pescoço. Um minuto mais tarde, o corpo ao seu lado já se encontrava mais perto, tão próximo que não havia espaço para o próprio ar entre uma pele e outra. Se aconchegou nos braços agora já tão conhecidos e pousou a cabeça preguiçosamente no peito dele, como havia se acostumado a fazer. Um beijo pousou na sua testa e não era preciso abrir os olhos para perceber o sorriso preguiçoso que se formava em seus próprios lábios. Lá longe uma música lenta se difundia na atmosfera - multicolorida - deles, mas o pensamento ia e vinha muito distante da letra, tinha aterrizado no corpo ao seu lado. Corpo que se confundia com o seu. Confundia, difundia, fundia. Mas o corpo era uma metonímia. Representava muito mais do que podia descrever em verbos, adjetivos, substantivos. 
            Talvez conseguisse juntar meia dúzia de metáforas para começar a tentar descrever qualquer coisa. Bom, ela sempre gostou de metáforas. Ainda sim, era pouco. Descrever tal nível de ludicidade era tão trabalhoso quanto agarrar bolhas de sabão sem estourá-las, fazendo com que algo tão singelo perdesse seu significado. Mas não eram significados que ela procurava. 
            Tão pouco restringir o infinito que eles aprenderam tão bem a cultivar. Não cometeria tal equívoco. Pois o momento em que seus lábios se encontravam, fazendo seus olhos fecharem e seu corpo se inundar no mar revolto de sensações destoantes e pungentes não era passível de cerceamentos. E quando ele olhava em seus olhos, calado, dizendo muito mais do que poderia com palavras, esses segundos não poderiam ser descritos de forma justa. Também quando ele apoiava, sorrindo, o queixo no topo da sua cabeça e dizia que eles tinham sido moldados para ficarem juntos, não havia formas de restringir com letras algo que só um sorriso poderia responder. Essa capacidade de transformar o simples em algo precioso era comum para eles.
             As memórias flutuavam em sua mente, despretensiosas, enquanto ele cantarolava uma das músicas que tocava e brincava com o seu cabelo. O tempo passava diferente pra eles. Relógios derretiam enquanto a tarde caía lá fora, no mundo real. Mundo que eles fugiam, enquanto confabulavam sobre as tardes que estavam por vir, os dias frios, músicas, panquecas de banana. Era fácil fechar os olhos quando o mundo criado a dois era mais real que o mundo lá fora. O real deles era particular, com múltiplas significâncias e cores e cheiros e texturas. 
        O infinito inundava, palavras se fragmentavam, memórias se confundiam e os dois corpos se acostumavam com a sinestesia de um tempo adimensional criado como refúgio. As horas corriam do lado de fora da porta, e enquanto o céu escurecia e a chuva caía, os braços dela envolviam os dele sem preocupações.



A Vida e a Morte de Ninguém, Parte 1.

22.6.12


Ao nascer, o pai de João-Sem-Nome decidiu por não dar nenhum nome á criança pequena e enrugada que ainda não parecia ninguém para ter um nome. Não se pode errar ao dar o nome a alguém, disse á mãe quando ele voltara do cartório com um espaço em branco na Certidão de Nascimento. Quando ele se parecer com alguém, damos um nome, argumentava ele enquanto a mãe amamentava o pequeno embrulho choroso.

E assim foi. Um mês se fora antes que a mulher voltasse á reclamar. Seu estoque de adjetivos e apelidos estava se esgotando e a cada visita de um parente, gastava horas justificando o porquê de seu filho não ter um nome. Daqui a pouco o dirão bastardo! Ou sabe-se lá o que esse povo é capaz de dizer. Dê um nome para o seu filho, homem, ou então eu mesma darei! Gritava a mulher ensandecida.

Porém, o pai afirmava que a criança ainda não tinha cara de ninguém. Não se parecia com José, Otávio ou Pedro. Andava pelas ruas pensando em nomes e ao conhecer alguém, tentava dar o nome do desconhecido á criança, mas o nome nunca parecia caber naquele corpo miúdo. E enquanto o filho aprendia a engatinhar, o pai perdia o sono pensando em nomes e concatenando variações. Essa criança tem cara de Letônio, pensava. Mas não queria que seu filho fosse confundido com nenhum país gelado.

Um ano se passou, o pequeno menino andava, corria, quebrava copos e a mãe já havia se acostumado a chamá-lo de qualquer outra coisa que não fosse um nome. Resignada, cansada de discutir, a pobre mulher aceitou a sandice de seu marido e achou melhor não piorar tudo. Melhor ficar calada, afinal, isso não podia durar para sempre.

Só que o menino aprendera a falar. Mas, mamãe, meu nome não é Filho, nem Amor, porque nunca me chamam pelo meu nome? choramingava o pequeno inutilmente, pois com os anos a mãe aprendera a transformar justificativas em verdades, e o que era mais importante na vida de um homem senão seus atos? ou então os feitos que faria no decorrer da vida? o nome de nada importava! E a essa altura do campeonato, a própria mulher não se importava mais, habituara-se a não precisar usar nomes, a definição que coubesse ao momento seria o nome provisório e a vida seguia em frente.

Se não importa vou me chamar Napoleão, resmungava o pequeno homem que repetia todos os nomes que lia nos livros da casa, tomando-os como seus por direito e protesto. E como continuaria a fazer, em vão, até o fim de sua insípida vida.
"

Meio-dia no outono.

17.5.12

O corpo vaga distante, alheio.

As certezas não sabia em que canto deixara. As emoções se diluiam aos poucos no ar úmido da tarde em queda, e os olhos fechados andavam bastante cansados para sair à procura. O canto desafinou. A poesia desandou. Se afogando em desvontades, deixava o corpo morrer no meio da encruzilhada e se abstinha de decidir qualquer coisa, terrificado ou incrédulo ou ambos ou nenhum. As palavras saíam tortas, espaçadas, disformes. Não me sei mais. Tento me agarrar em versos aleatórios, mas derrapo no meio-fio e caio, arrastando os lábios no chão, cobrindo o cinza de vermelho-desesperança.

E cá, nessa sensibilidade embotada, repousa o desconhecido. Cadavérico, mórbido, estanque. Ou apenas em repouso, esperando por ser empurrado ladeira à baixo.
¨

O descuidado.

30.3.12
É dor.
Do não ter, do querer, do precisar.
O sangue que corre, o tempo que voa,
anestesiado. Até entrar em contato com a pele,
aquela pele, tão sua conhecida.
Um pulso. Fracionado em centenas, basta.
Subverte inércia em eletrecidade, faz tremer.
Cria caos, confunde de simples que é,
devasta.
E do desprevinido, que sempre 0 foi, toma em cheio
as distrações e esbofeteia-lhe a face, pois tão simples,
tão rápido, tão incauto,
tão alheio, que engana. Nunca seu.
Ele desliza lépido pela grama, tão distante,
impossível de alcançar,
e angustiante de almejar. É dor.
"

Melancólico.

23.3.12


Sentou no ônibus, chovia na janela e o céu de Botafogo se diluía na tarde fresca. O vento batia forte, e com ele, a música que falava de um futuro a dois a fez fechar os olhos. Estava tão clichê nas últimas semanas. Vendo em todos os rostos o verde-água que queria para si. Sentiu inveja. Esse vento livre que passava por todas as casas e abraçava todos os pedestres, destemido, a fez lembrar dos sonhos que eles criaram um dia.

Pensou no abraço que ela não sentia a meses e que fazia tanta falta. Saudade que dói, que faz querer voltar o tempo, prolongar o beijo e o jeito que ele a olhava enquanto sussurava a música deles. Nunca pensou que seria capaz de sentir tanta Falta.

A chuva caía lá fora, e ela quis se encaixar naquele abraço quente. Quis deitar na cama e dividir fones, ir ao parque falar sobre nuvens e livros e sonhos, lembrar do passado e fazer planos de casas amarelas, dormir abraçado, ter dois filhos e uma estante de vinis. Quis que ele risse do seu jeito perdido e a ensinasse a amar de novo.

Desceu do ônibus, a música acabou e ela tinha esquecido o guarda-chuva. Quis que a garoa passasse, e que a saudade, com ela, fosse embora e trouxesse de volta o sorriso que queria beijar de novo.
"

O Corpo que vaga

28.2.12

A carcaça que o cobria pesava, enfim. Fétida, putrefata, estava aos pedaços. Cascas finas e cinzentas caíam quando se aventurava a andar, criando um rastro de imundice onde quer que fosse. Estava seco por fora. Por dentro, porém, sentia como se seus orgãos, ossos e sangue fossem uma só gosma, quente e pegajosa. Levantar-se da cama pela manhã era cada vez mais pesaroso, e com frequência se deixava morrer na escuridão do quarto, tão imundo quanto ele próprio. 

Ouvia, no silêncio, as vozes e os passos apressados dos seus estranhos vizinhos. Nunca entendera o tempo. Aos outros parecia sempre faltar, e para si, sobrava, abundante e pungente. Pensava que o dia deveria ter menos horas, afinal. 

Quando então resolvia levantar-se e sair, ao abrir as cortinas, o sol forte queimava seus olhos e também os dos andarilhos na rua. Por quanto tempo dormira? Não sabia ao certo. Na verdade, sentia como se nunca tivesse acordado. Descera as escadas e o velho mexicano que se dizia porteiro gritou-lhe que não haviam cartas para ele. A rua continuava abafada e cheia como se lembrava. Entrou no bar de costume, tomou seu trago e comeu um pão dormido. Mal conseguia engolir, não sentia fome nem sede. Comia por hábito. Agora, o sol já cedia lá fora e as pessoas voltavam de seus trabalhos medíocres, para suas vidas infelizes. Ao menos eram bons fingidores, como ele já fora um dia.

Ele tinha sido um bom medíocre. Com todos os sorrisos estampados e os movimentos maquinados. Castrado socialmente. Só que isso fora a mais tempo do que queria recordar. Hoje, era só um corpo velho, um monte de pedaços colados, vagando no pequeno espaço que determinara para si mesmo. Subiu então as escadas, entrou no cubículo mofado e sentou na cama. Sentiu vontade de ligar a televisão, só para não ter que ouvir o "parabéns" de algum dos filhos mal educados dos seus vizinhos de parede, mas trocara o aparelho que não utilizava pelo direito de usar o telefone do corredor, o qual tinha função única de pedir que trouxessem a lavagem servida no bar, até o seu apartamento. 

Os aplausos aumentavam. Botou o travesseiro sobre a cabeça e forçou o sono. Não seria tão difícil. Aliás, que horas eram mesmo?
¨

O sabotador

25.2.12

Você machuca.
Confunde.
Diz por dizer, de simples que é.
Não faz, nunca faz.
Deixe que crie, ignora a caverna
e a mente que cria, despudorada,
um universo inteiro de sombras e luzes.
Diz por acreditar,
se firma no paradoxo, não nega.
E se deixa cair, por conhecer o céu.
O meu céu, o teu céu.
Estrelado colorido quimérico.
Que desbota no tempo
e se refaz na palavra.
Que nunca nosso será.
¨

O teatro de um fantoche só.

7.2.12



Abandonou o corpo na cama, cansada. A escridão contrastava com os olhos abertos e fixos. Era tão difícil parar de pensar, desligar, e simplesmente esquecer, parar de sentir. Pela primeira vez em muitos meses, os ombros pesaram, como fizeram antes, e com eles, o mar revolto descobre a mente tranquila para devastar. Não sabia se era, de fato, real. O sentimento. A lembrança. Opostos se confundiam e a dor não mais doía, a felicidade não mais alegrava. O que sentia, se perdia no oceano. Um náufrago sem esperança de resgate, que abandonara a sí próprio e esperava pelo fim pacientemente.

 Ela que sempre tivera propensão á calmaria, sentia agora o chão desaparecer e as certezas, tão lineares, se confundirem, por objetos nem ao menos distinguíveis, por figuras tão distantes que quase invisíveis. Não sabia aliás, se a própria tormenta era criação de sua imaginação fértil. A razão pregando uma peça. Era tudo tão difuso, tão líquido, homogêneo, que não podia-se separar a invenção, do palpável, do real.

O que vinha lhe tirando o sono não era a dúvida do sentir. Era a dúvida do existir.

Por isso os olhos continuavam abertos. Quantas noites já perdera arquitetando soluções, repensando conceitos, buscando saídas e por fim, constatando fracassos, com os olhos abertos para a escuridão. O quanto tinha sofrido. A dor, crua, da incapacidade, forçou a desistência.

Desistiu da curva, por cansaço, e voltou para a sua linha reta. Procurou por um novo caminho, e seguiu por ele. A dúvida não existia, a falsa ilusão era criação de sua mente fantasiosa. Pois a seta nunca atingiria ese alvo, agora sabia disso. A tormenta não passara de uma chuva de verão, que devasta tudo de forma irreparável, mas é rápida e uma hora, por maior que possa parecer, vai embora silenciosa.

Os olhos só se fecharam as 4h27 da manhã.
¨

O Engaiolado

22.1.12

É medo de cair.

Por isso não consegue olhar para o abismo que se abre abaixo do ninho, assustador. Suas asas por certo arquejariam e bateriam em falso quando, temerário, se lançasse no vazio do primeiro vôo. Paralisado, mortificado, em pleno ar, o corpo em queda seria um simples saco de pequenos ossos. A existência oscilante justificada pelo fim débil e simplório.

As asas, intocadas. A vontade de voar engaiolada pelo o medo de queda.
¨

Sobre o que nunca aconteceu

6.1.12


E no fim,
Desejado fim, triste fim,
a dúvida, agora eterna, se cria, enraiza.
O tingido desbota, o som se esvai.
Teu último olhar, consentido, pesaroso, educado,
encontrou o meu, igualmente disfarçado.
Fraco. Esperando arrependimento.
Por ser tolo, e inquietamente lúcido. Por querer a raiva,
crua e sólida.


O fim não existe. Nada existiu.

(Mas será que você continua
a me ler?)
"

Bolor

28.12.11



Covarde. Não consegue mesmo levantar os olhos e destinar tuas palavras vacilantes sem se perder no teu próprio medo, que te segue, não importa onde teus passos temerosos te levem. Rasteja por esse caminho escuro e úmido, cheio de curvas, atalhos, e de moitas, sempre prontas para te abrigarem ao menor sinal de perigo, ínfimo que seja.

Se esconde na sombra, mente a surdez. Foge.

É poeira rasteira, lodo e mancha. Contenta-se com a mediocridade e o anonimato seguro do esgoto fétido que se acostumou a morar, coabitado por ele, sua fraqueza, e os ratos. Desde que deixou de existir como um Ser Vivente, não se incomoda mais. Prefere as migalhas, os restos. O que não é mais útil para ninguém, pode ser para ele de valor vital, já que se acostumou com a vida no submundo das importâncias.

Fede. Esse odor impregnado, que teu corpo exala sem o menor pudor,
de medo.

*

Liquefeito.

11.12.11
Caos.

Abaixo de seus pés, nada. À sua frente, vácuo. Às costas, abismos. Um turbilhão de imagens, entrecortadas, avulsas, ininteligíveis, pairavam ao seu redor, porém não sabia de onde vinham ou de quem eram, ou de quando eram. Tentava, inútil, apanhar alguma das que pareciam mais sólidas, mas o tato falhava e ela logo se diluia, deixando um rastro madre-pérola no ar por um milisegundo. E esse sabor amargo-indefinido, que não conseguia sentir direito, que parecia ter sido gasto lentamente e se resumia num pequeno rastro semidissolvido que dormia no centro da língua, era estranho. Até agora não o conseguira reconhecer, mesmo que tivesse gasto um instante inteiro tentando desvendá-lo.

A confusão envolvia cada objeto. Alguns flutuavam invertidos, já outros derretiam em pleno córrego. Folhas amarelas brotavam do céu, envelheciam no caminho e chegavam sem qualquer resquicio de vida ao chão, transformando o Nada em um tapete de ilusões e extinção.

Calafrios percorriam sua espinha, mas os membros estavam paralisados, quietos e mortificados. Fora assim por toda uma existência, de procastinação e ímpetos cansados. Falência. Esse vazio estranhamente acolhedor e velho conhecido, agora inundando e tornanando pesado. Como se dentro de sua pele existisse uma escultura de chumbo. E sabia que isso só teria fim quando decidisse o que fazer daquele momento eterno. Estava suspenso, com a mente em queda-livre e os pés enraizados.

Suspirou lentamente, e abriu suas asas.

¨

Desidratado.

22.11.11


Nós somos muita metáfora
Para o meu querer
pulsante, engarrafado.
Não dói,
Apenas confunde ideias.
Transforma necessidade em
urgência.
Maltrata minha sede
de dilúvio.

A água e o magma.

16.11.11



Tua presença irrita. Meu olhar persegue o teu, ávido por uma recíproca. Te quero longe, fora do alcance. Ignora, menospreza, me finge inexistente e o sou. Sou e sei, não me minto. Narrador observador frustrado com um desejo visceral e pedante, completamente mundano, sujo.

A agonia é sombra, subverte pensamentos e incendeia os olhos inquietos. Metamorfoseia-me. É catastrófica, surge no âmago do ser e destrói como uma ressaca. Infeliz. Só que de tão interior que é, chega à superfície como um simples copo d'água e não abala em nada a postura indiferente. Inútil. Te olho nos olhos mais uma vez, com brasas disfarçadas. 

Você segue a conversa. 



Cru

29.10.11
Andou sem rumo por muito mais horas do que achou que faria ao sair daquele cômodo fétido que era o quarto alugado. No início, sentia o vento batendo contra a face e o cheiro do fracasso ia abandonando-o, pouco a pouco. Esse que por tanto tempo se misturou com o gosto amargo já conhecido de todas as bocas que por ali passaram, bocas tantas e tão rápidas que não valiam a pena de serem contabilizadas, ou sequer lembradas, minimamente que fosse. Era agora o sabor misturado de todas aquelas bocas. As salivas, os lábios. Todos ali, juntos e esquecidos. Perdidos num mar de pérolas falsas e baratas. Sentia, como se fossem um, aquela profusão de números, e ao mesmo tempo, nada. Assim como ele próprio.

Parou. Aos poucos, o que era convicção foi se perdendo, assim como os calor do sol que já não aquecia mais a pele com o passar das horas. Tinha ele próprio esfriado rápido demais. Fora vencido pela ferocidade de coisas que não nascera com força para combater, coisas que se esquivava desde criança e que nunca tivera ânimo pra aprender a enfrentar; Era um fraco, e o sabia. Tinha momentos de coragem e ímpeto, porém eles sempre se frustavam antes mesmo de sair do campo da imaginação.

Seus sapatos estavam gastos e a barra da calça puída. O relógio, inútil, estava esquecido na gaveta do guarda-roupas. Ora, nunca fora pontual mesmo, e em situações como as atuais, não precisava medir o tempo em nenhuma de suas escalas, sejam elas de horas ou dias. Que seja, isso tudo não ia dar em nada mesmo, como sempre. Olhou em volta e percebeu que tinha se afastado três quarteirões do ponto de partida; Esse tinha sido seu récorde, sua declaração de falência.

Levantou-se do meio-fio, que havia sentado há alguns minutos, bateu o pó - o da rua, pois o que estava impregnado nele demoraria um pouco mais para sair. Talvez nunca saísse. - e andou o caminho de volta. A sopa enlatada estava esperando-o, junto com a possível carta de demissão passada por baixo da porta, ordem de seu chefe, que percebeu que ele não voltaria, quando deixou o prédio nessa manhã dizendo que ia tomar um trago.

"

Desventuras, gargalhadas e tinta-guache.

8.10.11



Eu tinha sete.

Quem sabe o que os olhos viam e as mãos buscavam, ávidas. Os cômodos eram reinos mágicos e perdidos; Cada som, uma sinfonia e cada recusa uma tragédia shakesperiana. A bala escondida seria o meu segredo mais mortal e nenhum dia seria tão incrível quanto os de chuva. Eu choraria por esses dias infinitos.


Os amigos seriam eternos, "nunca" e "para sempre" as expressões mais repetidas nesse vocabulário grande e orgulhoso demais para uma menina tão pequena e inquieta. As lágrimas, de tão abundantes que seriam, poderiam aparentar em certo momento que foram gastas para toda uma eternidade. Ainda parece que foram.


¨

Seta, Alvo.

30.9.11


Te adoro poesia

Porque sou prosa,

Porque vejo nos teus versos

Desritimados,

As assonâncias que quero que caibam

Nos meus parágrafos

Extensos.

Porque tua saciedade instiga

Minha sede de dilúvio

Que se pergunta como teu gosto

Deseja

Que os instantes passem fáceis

Enquanto eu procuro beber

Cada um,

Por completo.


¨

Valsa Pronominal

16.9.11


Só sei desenhar palavra

Meu canto é sílaba

A dança que sei dançar

vira diálogo.

Pinto meus adjetivos

porque só florescem versos

nos meu jardim sem flores,

que encantam meus sujeitos

ocultos, abismados, inexistentes,

hiperbólicos.

Nesse papel que é tela,

de lápis-pincel, texto-óleo.

Depois do onze e do nove.

4.9.11


Se foi rápido, não percebi.


A intensidade fez com que meus velhos conceitos e amarras fossem esquecidos. Essa conhecidência e o teu sorriso, escondido dos meus olhos fáceis, inundaram o meu abandono e o próprio relógio se esquece de alertar minha chatice, que vira água desapegada e corre para os seus rios tão flutuantes e musicais. Convidativos de uma forma que não te digo. Então deixo que me leve; Para onde ainda não sei, não preciso saber, só preciso conhecer a tua timidez de uma vez por todas para acabar com essa inquietude.

Você, me diz Poema; Eu, te digo Encanto. E no fim, é tudo sobre ânimo e hesitação, sinônimos e enganos, tutano e eufemismo. Eu sorrio, sem graça e você transforma a minha falta de altura em mais um motivo pra eu querer te encontrar.

Nos resumimos em desconhecido, nas vontades gigantes e invasores alienígenas. Acho que foi a sorte das 22:13.

Já eu, não.

1.9.11
Eu não queria ter te conhecido no balcão de um bar, enquanto mentia minhas fingidas mágoas sobre um último e fracassado amor. Você ouviria essas histórias, desistindo de ir embora como disse que iria, só porque não aguentava mais a garota infantil que te forçaram a conhecer. Entretanto, nos daríamos bem; nos tornaríamos amantes dentro de menos tempo que poderiamos supor.

Assim, ainda no bar, nessa madrugada vazia e depois de uma longa conversa aleatória sobre as peripécias do ser humano nas vidas que levam, brindaríamos em um silêncio bêbado à total descrença no amor e na verdade.

Mas o que eu queria era que o sol já estivesse raiado. Então, assim que eu saísse pela porta do bar e os raios batessem nos seus olhos claros, você mentiria que eu era a pessoa perfeita pra você. Iria correndo atrás de mim, me alcançaria e nos beijaríamos mais intensamente do que eu sempre fui capaz de fingir. Você até diria 'eu te amo' e eu riria, sabendo que as nossas palavras fáceis eram subterfúgios para explicar o acaso inexplicável.

Acontece que eu era a menina babaca que nossos amigos te apresentaram, e o asco foi recíproco ao primeiro olhar que trocamos; rápido e fatal. Uma pena, estávamos desesperados por um amor fácil mas não conseguimos ao menos engolir-nos a nós mesmo.

Não foi bom enquanto durou. Pois não durou.
Nós nem existíamos.




"

Borrado

26.8.11



Se te olho

Não se engane

O interesse abandonou-me há tempos.

É pena.

Pena forçada, causada

pelas tuas palavras

vazias

Pelo teu sentimentalismo

embotado.


"

Umidez

12.8.11


Por maior que seja o querer, o gosto, aos poucos, se perde.

Meu querer voa fácil e assim como se deixa vagar no éter dos pensamentos, consegue frear-se abruptamente quando se depara com o menor desnível.

Se me fixo, acabou-se. Nunca mais sentirei a água desse rio da mesma forma que fora um dia. Longe de mim querer parar, mas sou forçada por essa inconstância, por essa doação em partes e principalmente, pelo teu olhar que procura o meu, mas desiste

fácil.



¨

Coma induzido

24.7.11
Quero afago, quero o quente, também o morno e o frio, o insípido e o cinza: o sonoro. Quero independência, quero precisar. Quero ser acalentado, por quanto tempo terei que esperar o trem passar até embarcar? Não, não me diga, quero a ilusão, não preciso sofrer mais do que venho. Me deixe aqui sentado, quero perder o olhar observando o nada, preciso do horizonte como limite, preciso do despertador ao lado da cama. Quero saber tudo, quero sentir tudo, quero sentir vazio completo e a plenitude do vácuo. Você não vem? Ouço um barulho estranho e não consigo identificar. Parece que esqueci a torneira aberta mas tenho preguiça de voltar atrás. Não voltarei atrás, sou fixo e decidido, o que fiz está feito e não serão suas reclamações que hão de me mudar. Sou imutável. Sou metamórfico de uma forma que você não pode imaginar. Que nem eu mesmo posso imaginar. Sou estranho a mim mesmo, sou meu próprio caminho a ser trilhado e o maior mistério da minha humanidade. Sou ridículo. Consigo cansar a mim mesmo mas não há formas de me trocar. Meu prazo de validade foi curto, fiquei azedo demais para o meu tempo e sou castigado: se me canso, te canso também. Mas não importa, não ligarei para a opinião que não seja a minha e a do resto do mundo. Sou completo como um quebra-cabeças com metade das peças. Fui andando pela rua e perdendo-me a cada esquina, estou joagado por aí e por aqui. Não tenho rumo pois estou parado. Me sinto frio, ou será que minhas aparências esqueci em casa e agora sinto na pele tuas acusações como se fossem lâminas de gelo? Minha armadura se quebrou e não notei.


Estou fraco, estou cansado, tenho dor de cabeça. Onde estão minhas ataduras, por onde andam minhas convicções. Cansei de fingir, cansei de atuar. Estou fugindo desse lugar imundo mas a esteira parece não se mover, como se meus pés fossem fixos a um algo que não consigo identificar. O que me prende, quem é meu agrado? Depois daqui espero poder descansar, não me diga que estou velho pois não vou admitir. Você me conhece pouco o suficiente e tanto quanto eu deixei: não permito menos que cem metros de distância do meu espaço vital. Não posso mais que isso, sou incapaz. Necessito de afago mas não irei buscá-lo, tenho a tática perfeita. Sou um completo fracasso, não venha, não encoste, mantenha-se no seu lugar e que seja longe de mim. Sou um belo fingidor. Deveria ter me demitido a anos mas fui incapaz, me apeguei a essa falsa calmaria e segurei firme como se não houvesse amanhã, tolo. Agora cá estou, envergonhado de mim mesmo e do resto do mundo, por que não? Se não me ama, não lhe devo nada. Sou senhor de mim, sim. Sigo nessa reta e não me aventurarei numa trilha. Tenho pena de você mas não direi que foi bom enquanto durou. Preciso me despedir, não aguento mais, estou farto disso tudo. Acho que ouço algum barulho, preciso embarcar, ou será somente a dor de cabeça zumbindo enquanto estou aqui, parado nessa cama e percorrendo essa corrida contra o mundo contra mim? Sou o pior dos tolos, o que acha que está perdido



quando na verdade o que existe é
nada.




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100ºC

20.7.11
Esse estúpido querer

Que maltrata e corrói meu interior como ácido. Desce pelo encanamento e, quando alcança o fim, esfacela todo o caminho que percorreu, deixando um rastro de destruição irreparável.

Que penetra essa carapaça e descobre atalhos nesse denso labirinto. Encurta o tempo, que começa a tiquetaquear mais rápido que o normal e descobre essa sensibilidade embotada e guardada com cuidado, há mais tempo que a memória fraca consegue lembrar.

Que se alastra, incontrolável, sempre em frente.

Insandecidamente.

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Sobre olhares e frio

12.7.11
Você olha para a minha boca enquanto falo sobre uma besteira qualquer. Quando eu persigo esse teu olhar cheio de pudor, desvia rápido, tímido, fingindo atenção em um carro que passou. Começamos a andar. Você reclama do frio e passa o braço em volta dos meus ombros; Eu me ajeito ali, pequena, junto ao teu corpo e meu perfume se confunde com o seu. O medo se transforma em afago, tão rápido quanto eu pudesse querer.


Eu rio pra você enquanto teu olhar passeia por mim novamente e tuas palavras escassas me perguntam como eu posso não gostar dos filmes de terror que você tanto assiste. É aleatório.


Ainda andamos, mas a minha quietude aparente se desmanchou a muito com o arrepio que você me causou quando teu toque se juntou ao meu, me tirando do estado alcalino que permaneço há mais tempo do que posso querer.


Então você olha minha boca mais uma vez. Um beijo explode e os 14ºC que faziam lá fora se tornam apenas uma lembrança.


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Zero à esquerda

3.7.11
Me sinto sujo
As letras, parecem ainda piores.
Tudo que faço aqui é em vão.
Todos os meus trovejares são inúteis
De nada adiantam,
De nada valem
Nem uma moeda velha.

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Desilusão, por que me tomas?

25.6.11
Já fui mais feliz.



Ou aparentei sê-lo, pelo menos aqui. Tudo em mim ultimamente parece sisudo e incompleto. Essa leitura se revela um longo suspiro, companhado de um pesado cair de ombros. Aos meus próprios olhos e dura crítica, esse desabafo rotineiro virou uma longa lista de infelicidades e quereres e isatisfações, que para desgosto, não tem previsão de desaparecer.



Ler isso aqui é cada vez mais cansativo. Perdi a mão (se é que um dia a tive) e essa falta eterna de bons sentimentos se tornou mais uma vez entediante. A falta e a presença de certas coisas e um mundo de outros motivos me deixaram assim, desinteressante e esquecível. Sou um fiasco completo e tudo que sou está transcrito nessas linhas vazias.


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Desengano?

17.6.11
Aos desatentos, um aviso, o poeta é um fingidor.

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