Doze girassóis numa jarra

31.7.13

tem o som da cor dos teus lábios. 

     Irônica é a forma com que um punhado de palavras aparentemente inócuas consegue ecoar de forma tão pungente e por um período tão longo de tempo, ao comparar com a fraca memória que ela costumava ter. Depois de relembrá-las, escrevê-las, ressignificá-las e as tantas outras coisas que tentara fazer com aquela frase incompleta à exaustão, pensava que elas haviam se misturado com a essência de seu próprio ser, e que mesmo sem querer, tinham se enraizado no canto mais profundo de sí, aflorando lírios desconhecidos e girassóis inexplicáveis.
       Depois delas, ela passara a andar sinestésica por aí, se distraindo com o barulho das cores, o cheiro dos sons. Um universo desconexo de rumos flutuantes. Tinha adquirido asco pelo estático. Derretia as horas, brincava com a sensação do toque do vento passando pela sua pele e quando se cansava da incoerência proposital do espaço a sua volta, escolhia o telhado mais alto e dormia coberta pelo lençol estrelado que costurava seus sonhos insólitos. Sentia-se em um quadro de Van Gogh, com suas pinceladas quase beirando ao absurdo. 
     Não tinha casa. Era só mais um corpo, vida efêmera, acontecimento aleatório, prestes á terminar e passar pela história sem deixar vestígios. Seu único rastro, a marca de sua passagem pelo mundo, era a marca de suas  pegadas na areia fina e branca da praia que correra dias atrás, enquanto observava o forte vento do entardecer dissolvê-las no tempo, durando um instante apenas, o suficiente para sua satisfação. Tinha toda a humanidade dentro de sí, sua vida passava pelo tempo de muitas vidas, era todos, era nenhum. Era vida e morte, seco e molhado, multicolorido e monocromático. Em seus ouvidos, todos os segredos do mundo eram soprados e por seus olhos todos os sorrisos que jamais tinham sido dados, passavam. A carne, orgânica, contrastava com a onda infinita que seus cabelos faziam ao tocarem a água. E dentro de sí, todos as suas células cantarolavam um sussurro unísono

O universo tem o som da cor dos teus lábios. 

Múltiplas significâncias.

8.4.13
           Estava de olhos fechados quando sentiu um sopro quente no pescoço. Um minuto mais tarde, o corpo ao seu lado já se encontrava mais perto, tão próximo que não havia espaço para o próprio ar entre uma pele e outra. Se aconchegou nos braços agora já tão conhecidos e pousou a cabeça preguiçosamente no peito dele, como havia se acostumado a fazer. Um beijo pousou na sua testa e não era preciso abrir os olhos para perceber o sorriso preguiçoso que se formava em seus próprios lábios. Lá longe uma música lenta se difundia na atmosfera - multicolorida - deles, mas o pensamento ia e vinha muito distante da letra, tinha aterrizado no corpo ao seu lado. Corpo que se confundia com o seu. Confundia, difundia, fundia. Mas o corpo era uma metonímia. Representava muito mais do que podia descrever em verbos, adjetivos, substantivos. 
            Talvez conseguisse juntar meia dúzia de metáforas para começar a tentar descrever qualquer coisa. Bom, ela sempre gostou de metáforas. Ainda sim, era pouco. Descrever tal nível de ludicidade era tão trabalhoso quanto agarrar bolhas de sabão sem estourá-las, fazendo com que algo tão singelo perdesse seu significado. Mas não eram significados que ela procurava. 
            Tão pouco restringir o infinito que eles aprenderam tão bem a cultivar. Não cometeria tal equívoco. Pois o momento em que seus lábios se encontravam, fazendo seus olhos fecharem e seu corpo se inundar no mar revolto de sensações destoantes e pungentes não era passível de cerceamentos. E quando ele olhava em seus olhos, calado, dizendo muito mais do que poderia com palavras, esses segundos não poderiam ser descritos de forma justa. Também quando ele apoiava, sorrindo, o queixo no topo da sua cabeça e dizia que eles tinham sido moldados para ficarem juntos, não havia formas de restringir com letras algo que só um sorriso poderia responder. Essa capacidade de transformar o simples em algo precioso era comum para eles.
             As memórias flutuavam em sua mente, despretensiosas, enquanto ele cantarolava uma das músicas que tocava e brincava com o seu cabelo. O tempo passava diferente pra eles. Relógios derretiam enquanto a tarde caía lá fora, no mundo real. Mundo que eles fugiam, enquanto confabulavam sobre as tardes que estavam por vir, os dias frios, músicas, panquecas de banana. Era fácil fechar os olhos quando o mundo criado a dois era mais real que o mundo lá fora. O real deles era particular, com múltiplas significâncias e cores e cheiros e texturas. 
        O infinito inundava, palavras se fragmentavam, memórias se confundiam e os dois corpos se acostumavam com a sinestesia de um tempo adimensional criado como refúgio. As horas corriam do lado de fora da porta, e enquanto o céu escurecia e a chuva caía, os braços dela envolviam os dele sem preocupações.