Coma induzido

24.7.11
Quero afago, quero o quente, também o morno e o frio, o insípido e o cinza: o sonoro. Quero independência, quero precisar. Quero ser acalentado, por quanto tempo terei que esperar o trem passar até embarcar? Não, não me diga, quero a ilusão, não preciso sofrer mais do que venho. Me deixe aqui sentado, quero perder o olhar observando o nada, preciso do horizonte como limite, preciso do despertador ao lado da cama. Quero saber tudo, quero sentir tudo, quero sentir vazio completo e a plenitude do vácuo. Você não vem? Ouço um barulho estranho e não consigo identificar. Parece que esqueci a torneira aberta mas tenho preguiça de voltar atrás. Não voltarei atrás, sou fixo e decidido, o que fiz está feito e não serão suas reclamações que hão de me mudar. Sou imutável. Sou metamórfico de uma forma que você não pode imaginar. Que nem eu mesmo posso imaginar. Sou estranho a mim mesmo, sou meu próprio caminho a ser trilhado e o maior mistério da minha humanidade. Sou ridículo. Consigo cansar a mim mesmo mas não há formas de me trocar. Meu prazo de validade foi curto, fiquei azedo demais para o meu tempo e sou castigado: se me canso, te canso também. Mas não importa, não ligarei para a opinião que não seja a minha e a do resto do mundo. Sou completo como um quebra-cabeças com metade das peças. Fui andando pela rua e perdendo-me a cada esquina, estou joagado por aí e por aqui. Não tenho rumo pois estou parado. Me sinto frio, ou será que minhas aparências esqueci em casa e agora sinto na pele tuas acusações como se fossem lâminas de gelo? Minha armadura se quebrou e não notei.


Estou fraco, estou cansado, tenho dor de cabeça. Onde estão minhas ataduras, por onde andam minhas convicções. Cansei de fingir, cansei de atuar. Estou fugindo desse lugar imundo mas a esteira parece não se mover, como se meus pés fossem fixos a um algo que não consigo identificar. O que me prende, quem é meu agrado? Depois daqui espero poder descansar, não me diga que estou velho pois não vou admitir. Você me conhece pouco o suficiente e tanto quanto eu deixei: não permito menos que cem metros de distância do meu espaço vital. Não posso mais que isso, sou incapaz. Necessito de afago mas não irei buscá-lo, tenho a tática perfeita. Sou um completo fracasso, não venha, não encoste, mantenha-se no seu lugar e que seja longe de mim. Sou um belo fingidor. Deveria ter me demitido a anos mas fui incapaz, me apeguei a essa falsa calmaria e segurei firme como se não houvesse amanhã, tolo. Agora cá estou, envergonhado de mim mesmo e do resto do mundo, por que não? Se não me ama, não lhe devo nada. Sou senhor de mim, sim. Sigo nessa reta e não me aventurarei numa trilha. Tenho pena de você mas não direi que foi bom enquanto durou. Preciso me despedir, não aguento mais, estou farto disso tudo. Acho que ouço algum barulho, preciso embarcar, ou será somente a dor de cabeça zumbindo enquanto estou aqui, parado nessa cama e percorrendo essa corrida contra o mundo contra mim? Sou o pior dos tolos, o que acha que está perdido



quando na verdade o que existe é
nada.




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100ºC

20.7.11
Esse estúpido querer

Que maltrata e corrói meu interior como ácido. Desce pelo encanamento e, quando alcança o fim, esfacela todo o caminho que percorreu, deixando um rastro de destruição irreparável.

Que penetra essa carapaça e descobre atalhos nesse denso labirinto. Encurta o tempo, que começa a tiquetaquear mais rápido que o normal e descobre essa sensibilidade embotada e guardada com cuidado, há mais tempo que a memória fraca consegue lembrar.

Que se alastra, incontrolável, sempre em frente.

Insandecidamente.

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Sobre olhares e frio

12.7.11
Você olha para a minha boca enquanto falo sobre uma besteira qualquer. Quando eu persigo esse teu olhar cheio de pudor, desvia rápido, tímido, fingindo atenção em um carro que passou. Começamos a andar. Você reclama do frio e passa o braço em volta dos meus ombros; Eu me ajeito ali, pequena, junto ao teu corpo e meu perfume se confunde com o seu. O medo se transforma em afago, tão rápido quanto eu pudesse querer.


Eu rio pra você enquanto teu olhar passeia por mim novamente e tuas palavras escassas me perguntam como eu posso não gostar dos filmes de terror que você tanto assiste. É aleatório.


Ainda andamos, mas a minha quietude aparente se desmanchou a muito com o arrepio que você me causou quando teu toque se juntou ao meu, me tirando do estado alcalino que permaneço há mais tempo do que posso querer.


Então você olha minha boca mais uma vez. Um beijo explode e os 14ºC que faziam lá fora se tornam apenas uma lembrança.


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Zero à esquerda

3.7.11
Me sinto sujo
As letras, parecem ainda piores.
Tudo que faço aqui é em vão.
Todos os meus trovejares são inúteis
De nada adiantam,
De nada valem
Nem uma moeda velha.

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